Archive for January, 2015

Lucy Parsons – Eu sou uma anarquista.

Tuesday, January 27th, 2015
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Lucy Parsons

Lucy Eldine González Parsons (1853-1942) foi uma anarquista negra norte-americana. Filha de escravos, tornou-se orfã aos três anos e permaneceu em situação de escravidão durante sua infância. Em 1871, casou-se com o libertário Albert Parsons. Aderiu ao movimento operário e ajudou a fundar a Associação Internacional dos Trabalhadores (IWPA), em 1883.

Em 1886, sem nenhuma evidência, Albert Parsons foi preso e condenado à morte junto com outros anarquistas, pela revolta de Haymarket. Estas execuções tornaram-se um marco para o movimento dos trabalhadores do mundo, que adotaram o aniversário do evento de Haymarket, dia 1 de Maio, como dia de memória e manifestações da classe trabalhadora. É sobre este evento que Lucy Parsons se refere no texto abaixo.

Lucy Parsons – Eu sou uma anarquista

The Kansas City Journal, 21 de dezembro, 1886, p. 1.

Tradução: Grupo de Estudos Anarquista Maria Lacerda de Moura. Rio de Janeiro. Janeiro 2015.

Eu sou uma anarquista. Suponho que você, a maioria de vocês, vieram aqui para ver como uma verdadeira anarquista se parece ao vivo. Suponho que alguns de vocês esperavam me ver com uma bomba em uma mão e uma tocha na outra, mas estão decepcionados em não ver nenhum dos dois. Se tal tem sido as suas ideias a respeito de um anarquista, você merece estar decepcionado. Os anarquistas são pacíficos, pessoas respeitadoras das leis. O que os anarquistas querem dizer quando falam de anarquia? O dicionário Webster usa duas definições, o caos e o estado de viver sem dominação política. Nós nos apegamos a esta última definição. Nossos inimigos afirmam que acreditamos apenas no primeiro.

Você quer saber por que existem anarquistas neste país, nesta grande terra de liberdade, como vocês adoram chamá-la? Vá para Nova York. Vá pelos caminhos e vielas daquela grande cidade. Conte as miríades de famintos; conte os milhares de desabrigados, que estão a se multiplicar; o número de pessoas que trabalham mais, vivem com menos e tem menos conforto do que um escravo comum. Você ficará pasmo com suas descobertas, vocês que não prestam atenção a estes pobres, salvo como objetos de caridade e de comiseração. Eles não são objetos de caridade, eles são as vítimas da injustiça posta que permeia o sistema de governo e de economia que reina desde o Atlântico até o Pacífico. Sua opressão, a miséria que ela provoca, a infelicidade que ela dá à luz, são encontradas em maior medida em Nova York do que em outros lugares. Em Nova York, onde há não muitos dias atrás, dois governos se uniram para desvelar a estátua da liberdade, onde uma centena de bandas tocaram aquele hino da liberdade, “A Marseillaise”. Uma situação semelhante é encontrada entre os mineiros no Ocidente, que habitam na miséria e vestem trapos, os quais os capitalistas, que controlam a terra que deve ser livre para todos, podem adicionar ainda mais aos seus milhões! Oh, há uma abundância de razões para a existência de anarquistas.

Mas, em Chicago eles não pensam que anarquistas têm qualquer direito de existir. Eles querem enforca-los lá, legal ou ilegalmente. Você já deve ter ouvido falar de uma certa reunião no Haymarket. Você já deve ter ouvido falar de uma bomba. Você já deve ter ouvido falar de prisões e de detenções bem sucedidas, efetuadas por policiais. Aqueles policiais! Há um conjunto de homens, ou melhor, monstros para você! Policiais de Pinkerton! Eles fariam qualquer coisa. Tenho certeza de que os capitalistas procuraram um homem para jogar essa bomba na reunião no Haymarket e culpar os anarquistas por isso. Pinkerton pode ter feito isso por eles. Você já ouviu falar muito sobre bombas. Você já ouviu falar que os anarquistas falam muito sobre dinamite. Foi-lhes dito que Lingg fazia bombas. Ele não violou nenhuma lei. Bombas de dinamite podem matar, podem assassinar, assim como metralhadoras. Suponha que uma bomba havia sido jogada por um anarquista. A Constituição diz que há certos direitos inalienáveis, entre os quais uma imprensa livre, liberdade de expressão e liberdade de fazer assembleias. Aos cidadãos deste grande país são dadas pela Constituição o direito de repelir a supressão ilegal desses direitos. A reunião na Praça Haymarket foi uma reunião pacífica. Suponha que, quando um anarquista viu a polícia chegar ao local, com um olhar assassino, determinada a acabar com essa reunião, suponha que ele tenha jogado a bomba; ele não teria violado nenhuma lei. Futuramente, esse será o veredicto para seus filhos. Se eu estivesse lá, se eu tivesse visto aquela abordagem policial assassina, se eu tivesse ouvido falar daquele comando insolente para dispersar, se eu tivesse ouvido Fielden dizer “Capitão, esta é uma reunião pacífica”, se eu tivesse visto as liberdades de meus companheiros pisadas, eu teria arremessado uma bomba por mim mesma. Eu não teria violado nenhuma lei, mas teria confirmado a Constituição.

Se os anarquistas tinham planejado destruir a cidade de Chicago e massacrar a polícia, por que eles tinham apenas duas ou três bombas na mão? Essa não era a sua intenção. Foi uma reunião pacífica. Carter Harrison, o prefeito de Chicago, estava lá. Ele disse que era uma reunião tranquila. Ele disse a Bonfield [Capităo John Bonfield, Comandante da Esquadra de Polícia de Desplaines] para enviar a polícia e realizar as batidas. Eu não estou aqui para tripudiar sobre a morte dos policiais. Eu desprezo assassinato. Mas quando a bala do revólver de um policial mata é assassinato, tanto quando a morte vem de uma bomba.

A polícia correu em cima dessa reunião quando ela estava prestes a se dispersar. Sr. Simonson conversou com Bonfield sobre a reunião. Bonfield disse que queria botar os anarquistas pra correr. Parsons foi à reunião. Ele levou sua esposa, duas moças e seus dois filhos junto. Perto do fim da reunião, ele disse: ‘Eu acredito que vai chover. Vamos transferir a reunião para o salão do Zeph”. Fielden disse que ele estava prestes a completar seu discurso e que depois iria fechar o lugar. As pessoas estavam começando a se espalhar, mil dos mais entusiasmados ainda persistiram, apesar da chuva. Parsons e aqueles que o acompanharam partiram para casa. Eles tinham ido até a altura da delegacia de polícia de Desplaine quando viram a polícia começar a se mover rapidamente. Parsons parou para ver qual era o problema. Esses 200 policiais correram para dispersar os anarquistas. Então entramos no salão. Eu estava no salão de Zeph quando ouvi aquela terrível detonação. Ela foi ouvida em todo o mundo. Tyrants tremia e sentia que havia algo errado.

A descoberta da dinamite e sua utilização pelos anarquistas é uma repetição da história. Quando pólvora foi descoberta, o sistema feudal estava no auge de seu poder. Sua descoberta e utilização criou as classes médias. Sua primeira descarga soou o sino da morte do sistema feudal. A bomba em Chicago soou a queda do sistema de salários do século XIX. Por quê? Porque eu sei que nenhuma pessoa inteligente se submeterá ao despotismo. Estas significam a difusão de poder. Eu não digo a ninguém para usá-las. Mas foi uma conquista da ciência, não da anarquia, e se faria útil para as massas. Suponho que a imprensa vai dizer que eu sou uma traidora. Se eu violei qualquer lei, me prenda, me dê um julgamento e punição adequados, mas deixe que o próximo anarquista expresse seus pontos de vista sem obstáculos.

Bem, a bomba explodiu, as prisões foram feitas. Em seguida, veio a grande farsa judicial, começando em 21 de junho. O júri foi escolhido. Existe algum sindicalista aqui? Então sabemos que um sindicalista não foi considerado competente o suficiente para servir a este júri. “Você é um sindicalista?” “Você tem alguma simpatia para com as organizações trabalhistas?” foram as perguntas feitas a cada um. Se uma resposta afirmativa foi dada, o jurado era dispensado. Você foi ou é um maçom, um Cavaleiro Templário? O, não! [Grande aplausos.] Eu vejo você ler os sinais dos tempos por aquela expressão. Hangman Gary, erroneamente chamado de juiz, decidiu que se um homem tinha preconceitos contra os réus, isso não iria incapacitá-lo de servir no júri. Pois tal homem, disse Gary Hangman, iria prestar mais atenção à lei e as evidências e estaria mais apto a emitir um veredicto para a defesa. Existe um advogado aqui? Se houver, ele sabe que tal decisão não tem precedentes e contraria a todas as leis, razão ou bom senso.

No calor do patriotismo, o cidadão norte-americano, por vezes, deixa cair uma lágrima pelo niilista da Rússia. Eles dizem que o niilista não pode obter justiça, que ele já está condenado sem julgamento. Quão mais ele deveria chorar por seu vizinho, o anarquista, a quem é dada o mesmo julgamento, sob essas mesmas regras.

Havia delatores introduzidos como testemunhas de acusação. Havia três deles. Todos foram obrigados a admitir que tinham sido comprados e intimidados pela acusação. No entanto, Hangman Gary considerou suas evidências como competentes. Ele concluiu no julgamento que a reunião no Haymarket não foi o resultado de uma conspiração, mas foi como se fosse. Um dia antes dos escravos assalariados na fábrica da McCormick terem lutado por oito horas de trabalho, McCormick, de seu escritório de luxo, com uma canetada dos seus ociosos e anelados dedos, colocou 4.000 homens na rua. Alguns se reuniram e apedrejaram a fábrica. Por isso eles eram anarquistas, disse a imprensa. Mas os anarquistas não são tolos; somente tolos apedrejam edifícios. A polícia foi enviada e mataram seis escravos assalariados. Você não sabia disso. A imprensa capitalista calou-se, mas fez um grande alarde sobre a morte de alguns policiais. Em seguida, esses anarquistas loucos, como são chamados, pensaram que uma reunião deveria ser realizada para analisar o assassinato dos seis irmãos e para discutir o movimento pelas oito horas. A reunião foi realizada. Foi pacífica. Quando Bonfield ordenou à polícia a atacar aqueles anarquistas pacíficos, ele desmoralizou a bandeira americana e deveria ter sido baleado no local.

Enquanto a farsa judicial estava acontecendo, as bandeiras vermelhas e pretas foram trazidas para dentro da corte, para provar que os anarquistas jogaram a bomba. Elas foram colocadas nas paredes e penduradas lá, fantasmas terríveis perante o júri. O que a bandeira negra significa? Quando um telegrama diz que a bandeira foi levada pelas ruas de uma cidade europeia, isso significa que as pessoas estão sofrendo – que os homens estão sem trabalho, as mulheres passam fome, as crianças estão com os pés descalços. Mas, você diz, isso é na Europa. E na América? O Chicago Tribune disse que havia 30.000 homens naquela cidade desempregados. Outra autoridade disse que havia 10.000 crianças descalças em meados do inverno. A polícia disse que centenas não tinham lugar para dormir ou se aquecer. Em seguida, o presidente de Cleveland emitiu sua proclamação do Dia de Ação de Graças e os anarquistas marcharam em procissão carregando a bandeira preta para mostrar que estes milhares nada tinham pelo que agradecer. Quando na Câmara de Comércio, aquele antro de jogos de azar, foi realizado um banquete, de 30 dólares por prato, novamente a bandeira negra foi carregada, para mostrar que havia milhares que não puderam desfrutar de uma refeição de 2 centavos.

Mas a bandeira vermelha, a horrível bandeira vermelha, o que significa? Não é que as ruas devam correr em rios de sangue, mas que este mesmo sangue vermelho corre nas veias de toda a raça humana. Isso significa a fraternidade do homem. Quando a bandeira vermelha flutuar sobre o mundo, o ocioso será chamado para trabalhar. Haverá o fim da prostituição das mulheres, da escravidão do homem, de fome das crianças.

A liberdade foi nomeada anarquia. Se este veredicto for dado, será a sentença de morte da liberdade americana. Você e seus filhos vão ser escravos. Você terá liberdade apenas se você puder pagar por ela. Se este veredicto for dado, coloque a bandeira de nosso país a meio mastro e escreva em cada listra ‘vergonha’. Deixe que a nossa bandeira seja arrastada na poeira. Deixe que os filhos dos operários coloquem louros na cabeça destes heróis modernos, pois eles não cometeram nenhum crime. Quebre as correntes. O pão é a liberdade e a liberdade é o pão.

Original: http://www.blackpast.org/1886-lucy-parsons-i-am-anarchist#sthash.feU5kAwr.dpuf

Confederalismo Democrático

Friday, January 23rd, 2015
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Abdullah Öcalan

Os curdos estão fazendo uma revolução na região conhecida como Rojava, na Síria. Muitos anarquistas fazem um paralelo entre esta revolução e a revolução espanhola de 1936. O que está ocorrendo nesse momento em Rojava deve muito aos escritos do preso político na Turquia Abdullah Ocalan. Seus escritos muito se baseiam no Municipalismo Libertário do anarquista Murray Bookchin.

O livro Confederalismo Democrático de Ocalan foi traduzido pelo Grupo de Estudos Anarquistas Maria Lacerda de Moura para a sessão que tratou da revolução de Rojava. Link do livro em PDF abaixo.

CONFEDERALISMODEMOCRATICO

 

Original em: http://www.freeocalan.org/?page_id=267

Anarquismo Negro – por Ashanti Alston

Friday, January 23rd, 2015

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Muitos anarquistas clássicos consideravam o anarquismo como um corpo de verdades elementares que apenas precisavam ser reveladas ao mundo e acreditavam que as pessoas se tornariam anarquistas uma vez expostas à lógica irresistível da idéia. Esta é uma das razões pelas quais eles tendiam a ser tão didáticos.

Felizmente a prática vivida do movimento anarquista é muito mais rica do que isso. Poucos “convertem-se” de tal forma: é muito mais comum que as pessoas abracem o anarquismo lentamente, à medida que descobrem que é relevante para a sua experiência de vida e permeável a suas próprias percepções e preocupações.

A riqueza da tradição anarquista está justamente na longa história de encontros entre dissidentes não-anarquistas e o quadro anarquista que herdamos do final do Século XIX e início do Século XX. O anarquismo tem crescido através de tais encontros e agora enfrenta contradições sociais que antes eram marginais ao movimento. Por exemplo, há um século atrás, a luta contra o patriarcado era uma preocupação relativamente menor para a maioria dos anarquistas, mas hoje é amplamente aceita como uma parte integrante da nossa luta contra a dominação.

Foi somente nos últimos 10 ou 15 anos que os anarquistas na América do Norte começaram a explorar à sério o que significa desenvolver um anarquismo que tanto pode combater a supremacia branca como articular uma visão positiva da diversidade cultural e de intercâmbio cultural. Camaradas estão trabalhando duro para identificar os referenciais históricos de tal tarefa, como o nosso movimento deve mudar para abraçá-lo, e como um anarquismo verdadeiramente antirracista pode parecer.

O seguinte material, de Ashanti Alston, membro do conselho do IAS[2], explora algumas destas questões. Alston, que era membro do Partido dos Panteras Negras e do Exército Negro de Libertação, descreve o(s) seu(s) encontro(s) com o anarquismo (que começou quando ele foi preso por atividades relacionadas com o Exército Negro de Libertação). Ele toca em algumas das limitações das visões mais antigas do anarquismo, a relevância contemporânea do anarquismo para os negros, e alguns dos princípios necessários para construir um novo movimento revolucionário.

Esta é uma transcrição editada de uma palestra dada por Alston em 24 de outubro de 2003 no Hunter College, em Nova York. O evento foi organizado pelo Instituto de Estudos Anarquistas e co-patrocinado pelo Movimento Estudantil de Ação Libertadora, da Universidade de Cidade de Nova York ~ Chuck Morse

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Embora o Partido dos Panteras Negras fosse muito hierárquico, eu aprendi muito com a minha experiência na organização. Acima de tudo, nos Panteras me marcou a necessidade de aprender com as lutas de outros povos. Eu acho que tenho feito isso e essa é uma das razões pelas quais sou um anarquista hoje. Afinal, quando velhas estratégias não funcionam, precisamos olhar para outras formas de fazer as coisas, para ver se podemos nos descolar e avançar novamente. Nos Panteras, absorvemos muita coisa de nacionalistas, marxistas-leninistas, e de outros como eles, mas suas abordagens para a mudança social tinham problemas significativos e me aprofundei no anarquismo para ver se haviam outras maneiras de pensar sobre como fazer uma revolução.

Eu aprendi sobre anarquismo através de cartas e de literatura enviadas para mim, enquanto estava em várias prisões por todo o país. No começo eu não queria ler qualquer material que recebi – parecia que o anarquismo era apenas sobre o caos e todo mundo fazendo suas próprias coisas – e por muito tempo eu o ignorei. Mas houve momentos – quando eu estava na solitária – que não tinha mais nada para ler e, para fugir do tédio, finalmente comecei a meter a mão no tema (apesar de tudo o que eu tinha ouvido falar sobre o anarquismo até o momento). Fiquei realmente muito surpreso ao encontrar análises de lutas populares, culturas populares e formas de organizações populares – aquilo fez muito sentido para mim.

Estas análises me ajudaram a ver coisas importantes sobre a minha experiência nos Panteras que não estavam claras para mim antes. Por exemplo, eu pensei que havia um problema com a minha admiração por pessoas como Huey P. Newton, Bobby Seal, e Eldridge Cleaver e com o fato de que eu os tinha colocado em um pedestal. Afinal de contas, o que isso diz sobre você, se você permitir que alguém se estabeleça como seu líder e tome todas as suas decisões por você? O anarquismo me ajudou a ver que você, como um indivíduo, deve ser respeitado e que ninguém é suficientemente importante para pensar por você. Mesmo que nós achemos que Huey P. Newton ou Eldridge Cleaver são os piores revolucionários do mundo, eu deveria me ver como o pior revolucionário, exatamente como eles. Mesmo que eu fosse jovem, tenho um cérebro. Eu posso pensar. Eu posso tomar decisões.

Eu pensei em tudo isso enquanto estava na prisão e me vi dizendo: “Cara, nós realmente nos colocamos de uma forma que éramos obrigados a criar problemas e produzir cismas. Fomos obrigados a seguir programas sem pensar”. A história do Partido dos Panteras Negras, tão incrível como é, tem esses esqueletos. A menor pessoa no totem deveria ser um trabalhador e o que estava na parte superior era quem tinha o cérebro. Mas na prisão eu aprendi que eu poderia ter tomado algumas dessas decisões sozinho e que as pessoas ao meu redor poderiam ter tomado essas mesmas decisões. Embora eu tenha apreço por tudo o que os líderes do Partido dos Panteras Negras fizeram, eu comecei a ver que podemos fazer as coisas de forma diferente e, assim, extrair mais plenamente nossas próprias potencialidades e nos encaminharmos ainda mais para uma autodeterminação real. Embora não tenha sido fácil no início, insisti com o material anarquista e descobri que eu não poderia colocá-lo de lado, uma vez que começou a me dar vislumbres. Eu escrevi para pessoas em Detroit e no Canadá, que tinham me enviado a literatura, e pedi para que me enviassem mais.

No entanto, nada do que eu recebi tratava de pessoas negras ou latinas. Talvez houvesse discussões ocasionais sobre a Revolução Mexicana, mas nada falava de nós, aqui, nos Estados Unidos. Houve uma ênfase esmagadora sobre aqueles que se tornaram os anarquistas fundadores – Bakunin, Kropotkin, e alguns outros – mas estes valores europeus, que abordavam as lutas europeias, realmente não dialogavam comigo.

Eu tentei descobrir como isso se aplicava a mim. Comecei a olhar para a História Negra de novo, para a História Africana, e as histórias e lutas das outras pessoas de cor. Eu encontrei muitos exemplos de práticas anarquistas nas sociedades não europeias, desde os tempos mais antigos até o presente. Isso foi muito importante para mim: eu precisava saber que não eram apenas os europeus que poderiam funcionar de uma forma antiautoritária, mas que todos nós podemos.

Fui encorajado por coisas que eu encontrei na África – não tanto pelas antigas formas que chamamos de tribos – mas por lutas modernas que ocorreram no Zimbabwe, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Ainda que fossem liderados por organizações vanguardistas, eu vi que as pessoas estavam construindo comunidades democráticas radicais na base. Pela primeira vez, nesses contextos coloniais, os povos africanos estavam criando o que era chamado pelos angolanos de “poder popular”. Este poder popular tomou uma forma muito antiautoritária: as pessoas não estavam só conduzindo suas vidas, mas também as transformando enquanto lutavam contra qualquer poder estrangeiro que os oprimia. No entanto, em cada uma dessas lutas de libertação, novas estruturas repressivas foram impostas logo que as pessoas chegavam próximo à libertação: a liderança estava obcecada com idéias de governança, em estabelecer um exército permanente, em controlar as pessoas depois que os opressores forem expulsos. Uma vez que a tão apregoada vitória foi conseguida, o povo – que havia lutado durante anos contra os seus opressores  – foi desarmado e, em vez de existir um poder popular real, um novo partido foi instalado no comando do Estado. Assim, não houve reais revoluções ou a verdadeira libertação em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Zimbabwe, porque eles simplesmente substituíram um opressor estrangeiro por um opressor nativo.

Então, aqui estou eu, nos Estados Unidos, lutando pela libertação negra e me perguntando: como é que podemos evitar situações como essa? O anarquismo me deu uma maneira de responder a esta questão, insistindo que nós ponhamos no lugar, como fazemos em nossa luta agora, as estruturas de tomada de decisões e de fazer coisas que continuamente tragam mais pessoas para o processo, e não apenas deixar a maioria das pessoas “iluminadas” tomarem decisões por todos os outros. O próprio povo tem que criar estruturas em que articulem sua própria voz e em que tomem suas próprias decisões. Eu não recebi isso de outras ideologias: eu recebi isso do anarquismo.

Também comecei a ver, na prática, que as estruturas anarquistas de tomada de decisão são possíveis. Por exemplo, nos protestos contra a Convenção Nacional Republicana, em agosto de 2000, eu vi os grupos normalmente excluídos – pessoas de cor, mulheres e gays – participarem ativamente de todos os aspectos da mobilização. Nós não permitimos que pequenos grupos tomassem decisões por outros e, apesar de as pessoas terem diferenças, elas eram vistas como boas e benéficas. Era novo para mim, depois da minha experiência nos Panteras, estar em uma situação onde as pessoas não estão tentando disputar o mesmo lugar e realmente abraçam a tentativa de resolver nossos interesses por vezes contraditórios. Isso me deu algumas idéias sobre como o anarquismo pode ser aplicado.

Também me fez pensar: se pode ser aplicado para os diversos grupos no protesto contra a Convenção, poderia eu, como um ativista negro, aplicar essas coisas na comunidade negra?

Algumas de nossas idéias sobre quem somos como povo bloqueiam nossas lutas. Por exemplo, a comunidade negra é muitas vezes considerada um grupo monolítico, mas na verdade é uma comunidade de comunidades com muitos interesses diferentes. Penso em ser negro não tanto como uma categoria étnica, mas como uma força de oposição ou como pedra de toque para ver as coisas de forma diferente. A cultura negra sempre foi opositora e tudo isso é a busca de caminhos para criativamente resistir à opressão aqui, no país mais racista do mundo. Então, quando eu falo de um Anarquismo Negro, não está tão ligado à cor da minha pele, mas quem eu sou como pessoa, como alguém que pode resistir, quem pode enxergar de uma forma diferente quando eu estou bloqueado e, assim, viver de forma diferente.

O que é importante para mim sobre o anarquismo é a sua insistência de que você nunca deve ficar preso em velhas e obsoletas abordagens e sempre deve tentar encontrar novas maneiras de ver as coisas, de sentir e de se organizar. No meu caso, eu apliquei pela primeira vez o anarquismo no início de 1990 em um coletivo que criamos para rodar o jornal dos Panteras Negras novamente. Eu ainda era um anarquista “no armário” neste momento. Eu ainda não estava pronto para sair e me declarar um anarquista, porque eu já sabia o que as pessoas iriam dizer e como eles iriam olhar para mim. Quem eles veriam quando digo “anarquista”? Eles veriam os anarquistas brancos, com todos aqueles cabelos engraçados, etc. e dizer “como diabos é que você vai se envolver com isso?”

Houve uma divisão neste coletivo: de um lado havia companheiros mais velhos que estavam tentando reinventar a roda e, por outro, eu e alguns outros que diziam: “Vamos ver o que podemos aprender com a experiência vinda dos Panteras e construir em cima dela e melhorá-la. Nós não podemos fazer as coisas da mesma maneira”. Enfatizamos a importância de uma perspectiva antissexista – uma velha questão dentro dos Panteras – mas do outro lado estava algo do tipo “eu não quero ouvir todas essas coisas feministas”. E nós dissemos: “Tudo bem se você não quer ouvir isso, mas queremos que as pessoas jovens ouçam, para que eles saibam sobre algumas das coisas que não funcionaram nos Panteras, para que eles saibam que nós tivemos algumas contradições internas que não poderíamos superar”. Nós tentamos forçar a questão, mas se tornou uma batalha e as discussões tornaram-se tão difíceis que uma separação ocorreu. Neste ponto, deixei o coletivo e comecei a trabalhar com grupos anarquistas e antiautoritários, que foram realmente os únicos a tentarem lidar de forma consistente com essas dinâmicas até o momento.

Uma das lições mais importantes que eu também aprendi com o anarquismo é que você precisa olhar para as coisas radicais que já fazemos e tentar incentivá-las. É por isso que eu acho que há muito potencial para o anarquismo na comunidade negra: muito do que já fazemos é anarquista e não envolve o Estado, a polícia ou os políticos. Nós tomamos conta um do outro, nós nos importamos com os filhos uns dos outros, nós vamos para o mercado uns para os outros, encontramos maneiras de proteger nossas comunidades. Até mesmo igrejas ainda fazem as coisas de uma forma muito comunal, até certo ponto. Eu aprendi que existem maneiras de ser radical sem ficar distribuindo literatura e dizendo às pessoas: “Aqui está o retrato da situação, se você enxergar isso, vai seguir automaticamente a nossa organização e se juntará à revolução”. Por exemplo, a participação é um tema muito importante para o anarquismo e também é muito importante na comunidade negra. Considere o jazz: é um dos melhores exemplos de uma prática radical existente porque ele assume uma conexão participativa entre o individual e o coletivo e permite a expressão de quem você é, dentro de um ambiente coletivo, com base no gozo e no prazer da música em si. Nossas comunidades podem ser da mesma forma. Podemos reunir todos os tipos de perspectivas de fazer música, de fazer revolução.

Como podemos nutrir cada ato de liberdade? Seja com as pessoas no trabalho ou as pessoas que passam o tempo na esquina, como podemos planejar e trabalhar juntos? Precisamos aprender com as diferentes lutas ao redor do mundo que não são baseadas em vanguardas. Há exemplos na Bolívia. Há os zapatistas. Há grupos no Senegal construindo centros sociais. Você realmente tem que olhar para as pessoas que estão tentando viver e não necessariamente tentando chegar com as idéias mais avançadas. Precisamos tirar a ênfase do abstrato e focar no que está acontecendo na base.

Como podemos construir com todas estas diferentes vertentes? Como podemos construir com os Rastas? Como podemos construir com as pessoas da Costa Oeste que ainda estão lutando contra o governo, por conta da mineração em terras indígenas? Como podemos construir com todos esses povos para começar a criar uma visão da América que seja para todos nós?

Pensamento de oposição e os riscos de ser oposição são necessários. Eu acho isso é muito importante neste momento e uma das razões pelas quais eu acho que o anarquismo tem muito potencial para nos ajudar a seguir em frente. E isso não é um pedido para aderirmos dogmaticamente aos fundadores da tradição, mas para estarmos abertos a tudo o que aumenta a nossa participação democrática, a nossa criatividade e nossa felicidade.

Acabamos de ter uma Conferência Anarquista de Pessoas de Cor em Detroit, de 03 a 05 de outubro. Cento e trinta pessoas vieram de todo o país. Foi ótimo para vermos nós mesmos e bem como o interesse das pessoas de cor de todo o Estados Unidos em busca de formas marginais de se pensar. Vimos que poderíamos nos tornar aquela voz em nossas comunidades, que diz: “Espere, talvez nós não precisemos nos organizar assim. Espere, a maneira que você está tratando as pessoas dentro da organização é opressiva. Espere, qual é a sua visão? Gostaria de ouvir a minha?”. Há uma necessidade para esses tipos de vozes dentro de nossas diversas comunidades. Não apenas as nossas comunidades de cor, mas em toda comunidade há uma necessidade de parar o avanço dos planos pré-fabricados e confiar que as pessoas podem descobrir coletivamente o que fazer com este mundo. Eu acho que nós temos a oportunidade de deixar de lado o que nós pensamos que seria a resposta e lutarmos juntos para explorar diferentes visões do futuro. Podemos trabalhar nisso. E não há uma resposta: temos de trabalhar com isso à medida que avançamos.

Embora queiramos lutar, vai ser muito difícil por causa dos problemas que herdamos deste império. Por exemplo, eu vi algumas lutas muito duras, emocionadas, em protestos contra a Convenção Nacional Republicana. Mas as pessoas se mantiveram bloqueadas, mesmo quem começou a chorar no processo. Não vamos superar algumas das nossas dinâmicas internas que nos mantiveram divididos, a menos que estejamos dispostos a passar por algumas lutas realmente difíceis. Esta é uma das outras razões pelas quais eu digo que não há uma resposta: só temos que passar por isso.

Nossas lutas aqui nos Estados Unidos afetam todos no mundo. As pessoas nas classes subalternas vão desempenhar um papel fundamental e a maneira como nos relacionamos com elas vai ser muito importante. Muitos de nós somos privilegiados o suficiente para ser capaz de evitar alguns dos desafios mais difíceis e vamos ter de abrir mão de parte desse privilégio, a fim de construir um novo movimento. O potencial está lá. Nós ainda podemos ganhar – e redefinir o que significa vencer – mas temos a oportunidade de promover uma visão mais rica da liberdade do que já tinha antes. Temos que estar dispostos a tentar.

Como um Pantera, e como alguém que passou à clandestinidade enquanto guerrilha urbana, pus a minha vida no limite. Eu assisti meus companheiros morrerem e passei a maior parte da minha vida adulta na prisão. Mas eu ainda acredito que podemos vencer. A luta é muito difícil e quando você cruza esse limite, você corre o risco de ir para a cadeia, ficar gravemente ferido, morto, e assistir seus companheiros ficando gravemente feridos e mortos. Isso não é uma imagem bonita, mas isso é o que acontece quando você luta contra um opressor enraizado. Estamos lutando e isso vai tornar tudo mais difícil para eles, mas a luta também vai ser difícil para nós.

É por isso que temos de encontrar maneiras de amar e apoiar uns aos outros através de tempos difíceis. É mais do que apenas acreditar que podemos vencer: precisamos ter estruturas consolidadas que possam nos ajudar a caminhar, quando sentirmos que não podemos dar mais nenhum passo. Acho que podemos mudar novamente se pudermos descobrir algumas dessas coisas. Este sistema tem que cair. Isso nos fere a cada dia e não podemos desistir. Temos que chegar lá. Temos que encontrar novas maneiras.

O anarquismo, se significa alguma coisa, significa estar aberto para o que quer que for preciso em nosso pensamento, em nossa vivência e nas nossas relações –  para vivermos plenamente e vencermos. De certa forma, eu acho que são a mesma coisa: viver a vida ao máximo é ganhar. É claro que vamos e devemos entrar em conflito com os nossos opressores e precisamos encontrar boas maneiras de fazê-lo. Lembre-se daqueles das classes subalternas, que são os mais afetados por isso. Eles podem ter diferentes perspectivas sobre como essa luta deve ser feita. Se nós não podemos encontrar caminhos para nos encontrarmos cara-a-cara afim de resolvermos essa situação, velhos fantasmas reaparecerão e nós voltaremos à mesma velha situação em que estivemos antes.

Vocês todos podem fazer isso. Você tem a visão. Você tem a criatividade. Não permitam que ninguém bloqueie isso.

 

De Perspectivas sobre a teoria anarquista, Primavera 2004 – Volume 8, número 1 http://www.anarchist- studies.org/publications/perspectives

FONTE: http://www.anarchist- studies.org/article/articleview/70/1/8/

Instituto de Estudos Anarquistas: http://www.anarchist- studies.org/

[1] In. “Perspectivas sobre a teoria anarquista”, boletim semestral do Instituto de Estudos Anarquistas, Primavera 2004 – Volume 8, Número 1

[2] Institute for Anarchist Studies

Tradução: Mariana Santos (Das Lutas)

Apoio: Caralâmpio Trillas

Fonte: http://autogestao.org

Sessão: Favelas, Ocupações e Resistências

Saturday, January 3rd, 2015

final

DIA: 16

Hora: 19:00

Local: UERJ – 9º andar

A próxima sessão do Grupo de Estudos Maria Lacerda de Moura contará com depoimentos de guerreiras da Providência e Mangueira.
Exibiremos e debateremos o vídeo ‘Atrás da Porta’.

Segue o link do documentário:
https://www.youtube.com/watch?v=NDQuRhsr8HI

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Segue o link do evento no facebook:

https://www.facebook.com/events/1518197348447025

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